segunda-feira, 20 de julho de 2009

Sombra de Mim

Falhei. Falhei em tudo. Falhei ao nascer, ao crescer, ao viver. Falhei por ser eu e por não ser alguém. Falhei no quesito coragem, falhei também na covardia. Quem eu deveria ser, sinceramente não sei. Mas sei quem eu não deveria ser. Eu não deveria ser eu.
Sonhos todos tem. Ninguém vive sem sonhos. Eu os tinha, porém já não sei onde se perderam. Provavelmente em alguma esquina sombria da realidade que insisti em entrar. Não, não é verdade. Eu fugi da realidade o quanto pude, mas a vida é um labirinto entruncado, cheio de curvas, ruas desconhecidas e espectros enfurecidos que nos perseguem, nos ferem, nos arrastam violentamente para o beco da alma: seja bem-vindo à realidade.
Rastejo pelo tempo. Tempo, ó tempo, por que não passas depressa e me apresenta tua amiga morte? O tempo passa para quem ele quer, quando ele quer. Não adianta desejar que o tempo passe. Relógios são tempo. Tempo tem vida própria. Alguns minutos são eternos. Alguns dias, tornam-se segundos. Tempo, ó tempo, por que não páras quando encontro tua inimiga alegria?
Nada mais mata minha sede de vida. Sede de vida, não necessariamente de viver. Venho buscando algo que alimente minha alma. Fui tola, e talvez ainda o seja, por ter acreditado que o melhor sabor estava na panela que fervia no fogão alheio. Ora, foi assim que nunca aprendi a cozinhar.
Sou a maior depreciadora de minha própria arte. Meus sonhos tornaram-se pesadelos. Sou hoje, apenas uma sombra de mim. Uma sombra distorcida, múltipla, perdida no meio de tantos sóis. Faço de meu passado meu presente e não acredito mais em futuro. Só aprendi a conjugar pretéritos. E de todos, carrego mais fortemente em mim o imperfeito. Sou minha dor, sou minha aflição, sou minha maior imperfeição, sou meu erro e sou erro alheio também. Sou meu pecado, minha destruição, minha agonia, minha grande desilusão. Sou meu inferno, sou escuridão, não sou mais que uma reles sombra de mim.

domingo, 19 de julho de 2009

Angiosperma


Acaricio teu caule voluptuoso,
Mordo teu fruto tão carnoso;
Me encanta tua raiz conhecer,
O sabor dessa fruta, como saber?
Me apaixono pelo cheiro da tua flor,
Tua casca, me enche de calor.
Vejo o vento afagar tuas folhas.
Te plantar: essa foi minha escolha!
Bebo teu suco, engulo a semente;
Teu caldo deixa minha língua dormente.
Sonho que nunca abandones minha terra;
És minha amada, tão querida Angiosperma
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quarta-feira, 8 de julho de 2009

Gizarles


Seria hoje um dia comum,
Não fosse a chuva, a preguiça, o desejo de ficar.
Seria hoje apenas mais um dia,
Não fosse a exaltação ou o simples discordar.
Seria hoje um dia comum,
Não fosse a conversa, os risos, a vontade de falar.
Seria apenas mais um dia,
Não fosse a diferença e tantas histórias a contar.
Seria hoje...
Seria apenas...
Será num futuro próximo
Nada mais que boa lembrança.
É no meu presente enlameado
Alegria que traz esperança.
Amizade, confiança, um dia quem sabe?
Mas seria hoje apenas mais um dia cinza
Não fosse a companhia de Gizarles.

sábado, 4 de julho de 2009

No Trem


As portas se abriram, e em meio a uma grande quantidade de pessoas ele pode entrar, mas não haviam mais lugares para sentar. Segurou-se firme e sentiu o trem começar a se deslocar. A viagem não era longa. Vinte ou trinta minutos apenas e ele não tinha pressa. Não demorou muito até que o trem parasse na próxima estação. As portas se abriram e como num reflexo natural desse tipo de situação ele levantou a cabeça olhando para a porta. Alguns desceram, outros subiram silenciosamente, posicionando-se onde restava espaço. Curiosamente, bem a sua frente parou em pé, equilibrando-se apenas em suas próprias pernas o que mais tarde ele chamaria de visão, anjo, luz do dia. Pegou um livro que estava na sacola que carregava e começou a ler como se estivesse em um lugar qualquer, sem se importar com os solavancos do trem ou com as pessoas ao redor, enquanto ele observava atento a cada movimento, sem conseguir sequer piscar.
Sentia o coração disparado, as pernas bambas, as mãos suando. Seria isso que chamavam de “Amor à Primeira Vista”? A viagem não seria longa e ele sabia que se quisesse ao menos tentar alguma coisa deveria ser rápido. Continuava a olhar incansavelmente, mas não recebia nenhum sinal em resposta. Por vezes, sentia-se envergonhado ao ver que outras pessoas percebiam sua quase obsessão momentânea, disfarçava e voltava a observar tão fascinante criatura. Mesmo de longe podia sentir o cheiro. Não era perfume, não era desodorante ou sabonete, era apenas o cheiro da pele, o cheiro do suor de um dia quente de verão, que tanto lhe agradou que até lhe fez sentir certo desejo. Precisava conter-se. Pensar rápido. Tentou aproximar-se. Queria tocar aquele corpo, beijar aquela boca, sentir tudo que já estava sentindo de forma mais intensa. Recebeu como resposta apenas um passo ao lado.
Por vezes, o trem parava, outras pessoas desciam, mais pessoas entravam e ele se mantinha no mesmo lugar evitando perder de vista o ser que lhe causava tamanho nervosismo. Não sabia o que fazer... Deveria tentar conversar, tocar, beijar, pedir telefone? Seus pensamentos corriam mais rápido que o trem e ele começava a se deseperar. Não recebia um olhar, um sorriso, nem uma chance de aproximação e logo teria que descer. Ou pior: talvez seu “objeto de desejo” descesse antes deixando-o ali com cara de bobo extasiado. Passou a mão pelos cabelos, respirou fundo e decidiu que tentaria conversar, mas tão logo deu um passo a frente o trem parou e em meio a uma multidão apressada foi embora seu alvo. Pela porta ainda podia ver. O livro voltando à sacola. Os cabelos ao vento. O corpo de costas para o trem. Seu anjo virando-se como se percebesse que alguém lhe observava e parando com os olhos fixos no chão bem a frente dele que já quase chorava de agonia. As portas começaram a se fechar. Sentiu o gelo no peito. Viu os olhos mareados transformando-se em lágrimas pelo rosto. Viu as portas serrarem-se. Viu um rosto se erguendo. Viu um olhar penetrar seus olhos. Viu um simples sorriso que lhe secou as lágrimas e lhe encheu de esperanças, distanciando-se enquanto o trem voltava à sua marcha.