domingo, 27 de dezembro de 2009

Joana D'Ark

Ela acorda como todos acordamos todos os dias. Olhos miúdos, boca seca, preguiça de levantar. Ela poderia, sim, ser apenas mais uma em meio a tantas pessoas que passam todos os dias ao nosso lado em uma esquina movimentada qualquer. Mas é justamente isso que ela mais teme: ser apenas mais uma.
Ao se olhar no espelho, tudo que vê é tudo que deseja esconder. Seus medos, suas fraquezas, seus anseios, suas alegrias, tristezas... enfim, tudo se estampa em seus olhos negros.
E é por tudo isso que ela se arma. Não sai de seu castelo sem sua armadura. Não permite que lhe vejam sem seu capacete. Mesmo seus pés jamais poderão mostrar-se frente aos exércitos enfurecidos que aguardam sua chegada. São exércitos enormes, é quase impossível determinar com certeza quantos soldados neles há. Pior que numerosos, esses exércitos possuem armas poderosas, capazes de destruir um grande cavaleiro com apenas um suspiro.
Ainda assim, Joana se veste, se pinta, se arma e vai para o campo de batalha. Prefere a guerra à solidão. Pensa estar protegida em meio a tanto aço, quando na verdade apenas mente para si, iludindo-se com pensamentos positivos sobre aqueles que supostamente atacam-lhe em vão.
Joana é forte. Por vezes seu escudo rebate, repele ataques violentos facilmente. Porém, já ultrapassaram-lhe tal defesa. Sua poderosa armadura. Nas ocasiões em que isso ocorreu, as consequências foram catastróficas. Cegaram-lhe os olhos, ludibriaram-lhe pensamentos, para então perfurar seu coração sem demonstrar qualquer arrependimento ou remorso por fazê-lo sangrar. Lágrimas rolaram por seu rosto e ela chegou a acreditar que a morte estaria próxima.
Mas (graças aos Céus), nossa heroína é forte e por mais que sofra, que sinta-se abatida, não se entrega facilmente ao fim. E, assim, lá vai ela acordar em uma nova manhã, para vestir novamente tal armadura que deveria lhe defender.
Até que um dia, de alguma forma não explicada, roubaram-lhe o escudo e o elmo, fazendo com que acreditasse que não poderia combater nada nem ninguém por estar no auge de sua fragilidade. O medo, o temor e a insegurança eram mais claros em seu olhar e suas atitudes.
Foi então que um sábio biscoito da sorte japonês (sim, não era chinês), disse-lhe que de nada servia a armadura, o elmo ou o escudo. Joana poderia defender-se de tudo e de todos quando passasse a defender-se de si mesma. E aqueles soldados ao lado dos quais tantas batalhas vira, eram vazios e fúteis por jamais terem conseguido enxergar além do aço que cobria seu rosto, seu coração. Quem quisesse, poderia ferí-la de qualquer forma desde que ela permitisse. Do contrário nada a atingiria. Seria como a luz refletindo no espelho.
Joana ouviu atenta ao que disse o biscoito e por mais difícil que fosse aceitar, era ele que tinha razão. Percebeu que suas qualidades e defeitos eram notados, não importava o que fizesse para escondê-los, pois quem quisesse conhecer-lhe de verdade buscaria a real Joana dentro de seus olhos, em sua alma. Quem de fato lhe amasse, buscaria uma realidade e não apenas uma aparência forte, quase rústica. Bastava que Joana D'Ark fosse apenas ela, nem só Joana, nem só D'Ark, mas aquela que lhe aproximasse de quem realmente quisesse lhe fazer feliz.