sábado, 1 de março de 2008

Eu e a Montanha


Certo dia subi ao topo da montanha mais alta que conheci, caminhei até a beirada, olhei para baixo para ver o que poderia haver em um lugar em que até esse dia, não tive coragem de ver. De lá era possível ver uma praia de água cristalina e areia muito clara. Parecia o melhor lugar para estar, mas não havia como chegar lá, se não fosse pulando da montanha. Agachei-me para poder ver o que haveria na queda e isso foi mais assustador ainda. Galhos e pedras pontiagudas aguardavam por carne a ser dilacerada, enquanto a areia banharia-se em sangue fresco.
A areia continuava branca a chamar-me para um passeio no calor e conforto de uma praia tão bela onde o vento embalava palmeiras muito verdes, e as ondas dançavam num ritmo doce, tranqüilo, porém frenético. Nada poderia ser melhor que estar lá naquele momento, mas não podia simplesmente esquecer o medo de que tudo fosse ilusão e a queda fosse ainda mais dolorosa do que parecia ser. Não sabia o que fazer.
Levantei. Olhei para trás. Para a montanha na qual escolhi subir e tudo que pude ver foram as pedras recheando o chão a minha frente. Ao fundo apenas alguns velhos arbustos que secaram com o passar do tempo e com a falta de vida que haviam sugado durante tanto tempo das pedras. Ali, há muito o vento não batia, nem mesmo uma brisa, e a água que poderia ser abundante estava acabando deixando apenas uns restos de água negra acumulada em uma fenda de pedra.
Vi que meus pés descalços, totalmente desprovidos de proteção começarem a sangrar. Feridas se abriam devido ao contato com as pedras. Sentia dor, muita dor, mas o caminho por onde vim já estava fechado e agora eu só podia ficar ou saltar. Sentia tanto medo, que cheguei a pensar que aquela dor que estava sentindo seria suportável ao menos por algum tempo, mas então abri minhas mãos e elas também se feriam e sangravam, assim como todo o resto do meu corpo. As feridas aumentavam, infeccionavam, assim como a dor intensa e triste que sentia. Mas apesar de tudo eu ainda hesitava em ir até a praia.
Não entendo como pude ser tão covarde por tanto tempo. Fui corajosa em suportar o sofrimento, mas não aceitava a idéia de me arriscar a sofrer. Quem sabe eu nem sentisse nada ou morresse rápido, antes que pudesse chegar à praia. Mas se nada disso acontecesse e ao invés disso eu ficasse deitada agonizante por anos, até que a morte tivesse piedade e uma onda me levasse arrastada para o fundo do oceano? Como decidir quando se tem tantas maneiras dolorosas de se imaginar. A essa hora o sol já estava alto, meu rosto queimava em bolhas quentes e lágrimas tomavam meus olhos, pois eu continuava a sangrar mais e mais a cada segundo de indecisão. Os arbustos secos, apodreceram fétidos e derreteram-se em frente a meus olhos. Provavelmente era o mesmo que aconteceria comigo se continuasse a me alimentar da escuridão cruel que tomava o local.
Não pude mais suportar aquilo. Conclui que nada podia ser pior que estar ali e quem sabe a areia morna da praia pudesse fechar as lepras que me tomaram após tanto tempo. Ou mesmo que a areia fosse fervente e o mar gelado eu ainda poderia descansar à sombra de uma das belas palmeiras que continuavam a se balançar com a brisa. Eu tinha uma chance. Precisava vencer o medo, me jogar de cabeça no que me parecesse uma chance de estar melhor e... Pulei!
Fechei os olhos, aguardando o impacto contra o solo, ou os cortes já existentes aumentando devido ao choque contra a pedreira ou os galhos secos que saiam da montanha. Para minha surpresa não senti impacto ou choque algum. Resolvi abrir os olhos e pude então perceber que não caía, mas flutuava lenta e tranqüilamente. Podia controlar o vôo e me levei calmamente até a areia onde pousei os pés com calma. Comecei a andar, sentindo as ondas e o alívio, ambos tão esperados pelo meu corpo cansado da doença que antes me tomava. Me sentia leve, tão leve como nunca senti. Percebi que todos os machucados que antes me torturavam sem trégua, sumiam sem deixar sequer marca assim como a grande montanha na qual subi e tive tanto medo de descer. Por mais que ela me parecesse segura antes, naquele momento eu soube que não importava os riscos eu precisava fazer o que me fizesse melhor, seguro ou não. Aliás, foi assim que descobri que a única e verdadeira segurança não estava em um paredão de pedras, nem mesmo na linda praia que me aconchegava naquele momento, mas dentro de mim, nas minhas certezas e nas dúvidas também, porque esse é o lugar em que posso procurar mais de mim mesma, descobrir e encontrar o que me faz bem de verdade.

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